Artigo escrito em novembro 2010 para a revista Barbarie
Segundo Eurostat, a taxa do desemprego português hoje atinge 10,6%. Significa isto que Portugal faz parte das dez economias europeias cujos níveis de desemprego são acima da média europeia. O que aconteceu com as análises da OCDE de 2001, previndo que o desemprego português estabilizar-se-á por volta dos 4%?
De JJB
Até parece uma boa notícia: o desemprego português corresponde quase à metade do desemprego espanhol. Só que a situação é muito problemática em ambos os países. Segundo uma publicação de Eurostat do dia 29.10.2010 relativo ao desemprego europeu no mês de setembro, esse desemprego atingiu 20,8% em Espanha (19,74% segundo um relatório espanhol publicado no mesmo dia, relativo ao desemprego trimestrial – que grande diferença psicológica entre esses dois dados!). Portugal segue com 10,7%, depois dos países bálticos, a Eslováquia, a Irlanda, a Grécia e a Hungria.
Embora a situação em Portugal não seja a mais drámatica da Europa, a taxa ainda fica acima da média da União europeia (9,6%), e a média da Zona Euro (10,1%). A situação é grave, mais também é interessante anotar que Portugal, frequentemente considerado um país particularmente “problématico”, tenha quase a mesma taxa de desemprego que a França (10,0%), geralmente percebida como um dos maiores líderes europeus.
No entanto, Angel Gurría, o secretário geral da OCDE, se disse confiante que Portugal vai resolver os seus problemas do mercado do trabalho. Durante uma visita a Lisboa em setembro, ele realçou a necessidade de Portugal tomar certas medidas afim de reduzir a dívida externa, e de reformar o sistema fiscal, o mercado de trabalho e a educação da mão-de-obra.
Contudo, a mesma OCDE previu ainda em 2001 que o desemprego português se estabilizará por volta dos 4%. Como podemos explicar que isso não aconteceu?
Claro que OCDE não podia incluir o impacto da crise económica mundial no seu relatório de 2001.
Também, já nesse relatório, a OCDE recomendou muitas reformas para o mercado de trabalho português. Então a OCDE poderia, hoje, responder que a sua previsão de 2001 não se concretizou por falta de vontade política de reformar o país.
Mas também é verdade que a base económica parecia óptima ao final dos anos 90: a taxa de desemprego tinha evoluida de forma muito satisfactória, sobretudo em comparação com a Espanha, mas até em comparação com a União dos 15.
Fonte : Royo, Sebastián – Portugal, Espanha e a Integração Europeia.
Visto assim, até poderíamos acreditar que Portugal possuia um mercado de trabalho utopicamente perfeito durante muito tempo: alta proteção dos trabalhadores, bons sistemas de apoio aos desempregados e taxas de desemprego muito baixas... nem o modelo muito invejado da Dinamarqua conseguiu reunir esses tres factores!
Será que a maliciosa OCDE destruiu, com as suas recomendações, essa felicidade celestial de Portugal?
Infelizmente, o assunto não é tão simples. É verdade que apesar da elevada protecção do emprego em Portugal, a taxa de desemprego era muito baixa durante os anos 90. Mas isso não se deve a um milagre, nem só ao progresso da economia portuguesa. Uma razão principal é a má aplicação prática das regulamentações de trabalho em todos os sectores de trabalho – além do sector público e das grandes empresas. Pois, em Portugal durante os anos 90, essa proteção forte é apenas teorética para a grande maioria dos trabalhadores. As pessoas são frequentemente obrigadas a mostrar uma grande flexibilidade e a aceitar salários muito baixos. Também importa realçar que os subsídios de desemprego abrangiam só uma pequena percentagem do desemprego real. Então, na verdade, a situação não era um paraíso para a maioria dos trabalhadores portugueses. A protecção social real era muito mais fraca do que parecia.
Qual era o papel da política monetária e financeira de Portugal nessa evolução?
No âmbito da adesão de Portugal à CEE, as autoridades portuguesas substituíram a taxa variável do Escudo por taxas de câmbio estáveis, direitamente ligadas às moedas do Sistema Monetário Europeu (SME) afim de combater a inflação com uma moeda portuguesa fortificada pela Europa.
Até a adesão ao MTC (Mecanismo de Taxas de Câmbio; do SME) em 1992, a convertibilidade plena do Escudo foi progressivamente estabelicida. Durante as crises do MTC entre 1992 e 1995, o Escudo manteve-se a um nível mais ou menos estável em comparação com a Peseta, graças à sua ligação ao Marco alemão. Em geral, a adesão ao MTC e ao seu “código de conduta” resultavam numa maior estabilidade da economia portuguesa.
Mas, segundo certos especialistas, em resultado, os preços dos bens transaccionáveis, que tinham uma ligação bastante forte com o exterior, orientaram-se aos preços europeus. Porém, os salários e os preços dos bens não transaccionáveis também aumentaram, deixando problemático o valor do Escudo.
Em resultado, nos anos 90, esses valores aumentavam em Portugal, enquanto a produtividade não aumentava suficientemente. Isso baixou a competitividade portuguesa e resultou num défice na balança de mercadorias e serviços, que crescia cada vez mais ao longo dos anos 90. Para financiar os gastos públicos e o consumo, a economia recorria às remessas dos emigrantes portugueses, aos fundos estruturais da UE e sobretudo a um aumento drástico de influxos de capital estrangeiro, geralmente sob a forma de empréstimos. O resultado disso era uma maior dependência ao estrangeiro, e uma falta persistente de competitividade. Assim, embora exigissem uma modernização, as regras da globalização e da UE podiam conduzir a uma dissimulação do atraso económico.
Muitas vezes, também foi criticado que os fundos europeus não fossem utilizados inteiramente para criar melhores estrúturas no mercado de trabalho, mas igualmente para financiar empregos que dependiam completamente das ajudas europeias. Ainda na década de 2000, segundo alguns analistas, esses empregos representaram 3,7% dos empregos portugueses, contra 2,7% na Grécia, 1,3% na Espanha e 0,5% na Irlanda. Segundo essas análises, as despesas públicas financiando empregos também eram muito elevadas em Portugal, em comparação com esses outros países.
Fonte: Beutel, Jörg – The economic impact of objective 1 interventions for the period 2000-2006
Qual conclusão tirar disso? Sobretudo aquela: na Europa de hoje, não existem soluções “mágicas” e simples para resolver o atraso económico dos novos membros. As divergências estruturais são dicíficeis a combater – e os “milagres económicos” são, em geral, quer uma ilusão (como o mercado de trabalho “perfeito” de Portugal nos anos 90), quer o resultado de muito trabalho muito duro.
E é verdade que Portugal trabalhou muito duramente durante décadas para convergir com o resto da Europa – e não devemos esquecer que isso é um objetivo muito ambicioso. Não devemos acreditar em estereotipos simplistas. O caso de Portugal é muito complexo e não merece ser reduzido a uma certa utilização dos fundos europeus, nem a um certo típo de administração ou de atitude de trabalho.
No entanto, podemos ver que a transição portuguesa não era dirigida de maneira óptima pela UE e por Portugal. Não corresponde ao interesse de Portugal, nem da Europa, que o preço pago para manter um certo grau de competitividade da economia portuguesa no âmbito da UE, sejam gastos públicos imensos, uma alta dependência externa e uma situação precária para muitos trabalhadores.
Fontes principais
Beutel, Jörg – The economic impact of objective 1 interventions for the period 2000-2006. European Commission, Konstanz, 2002.
Royo, Sebastián (Organizador) – Portugal, Espanha e a Integração Europeia. Um Balanço. Imprensa de Ciências Sociais, Lisboa, 2005.
Outras fontes
Simões, Vitor Corado / Godinho, Manuel Mira (2006) – Strategic Evaluation on Innovation and the Knowledge
Based Economy in relation to the Structural and Cohesion Funds, for the programming period 2007-2013
( http://ec.europa.eu/regional_policy/sources/docgener/evaluation/pdf/evalstrat_innov/portugal.pdf )
CIDEC (2003) – Ex-post evaluation of objective 1, 1994-1999